A nova corrida do ouro em Serra Pelada — sem as tensões, o
sofrimento e as cenas bíblicas dos anos 80
Fonte: Portal revista Veja
Operários da mineradora canadense no túnel escavado
recentemente em Serra Pelada. A terra rica em partículas de ouro será retirada
e levada à superfície por máquinas (Foto: Antônio Milena / Milenar)
Reportagem de Leonardo Coutinho, de Curionópolis
A NOVA CORRIDA A SERRA PELADA
No local onde existiu o maior garimpo do mundo, ainda há
muito ouro. Em 2013, esse tesouro começará a ser explorado de forma organizada
e com o uso de tecnologia moderna
Vinte e cinco anos depois do fechamento do maior garimpo do
mundo, Serra Pelada voltará a produzir ouro. No lugar dos 100.000 homens de
todas as partes do Brasil que se amontoaram nos terraços enlameados de uma
cratera cavada no sul do Pará em busca do metal precioso, em condições
precárias, haverá máquinas modernas operadas por funcionários com carteira
assinada e protegidos por equipamentos de segurança.
Nos anos 80, uma cena bíblica: a terra retirada no garimpo
era carregada em sacos no ombro por milhares de garimpeiros, e a escavação se
fazia com pás e picaretas (Foto: Luis Novaes - 1982 / Folhapress)
Em vez de garimpeiros agachados em frente a uma fogueirinha
fervendo mercúrio em uma panela para separar as partículas de ouro da terra,
serão utilizados complexos processos não poluentes de decantação, flotação e
fundição para produzir barras de ouro de 25 quilos com 80% de pureza.
Nas próximas semanas, a mineradora canadense Colossus
Minerals, que está investindo 700 milhões de reais em Serra Pelada, concluirá a
medição da reserva ainda intocada, que escapou às escavações artesanais dos
garimpeiros na década de 80.
SEM MERCÚRIO -- No processo industrial, a separação será
feita com técnicas não poluentes, como a decantação e a fundição -- na foto, em
fase experimental (Foto: Antonio Milena / Milenar)
Em 2010, quando a cooperativa dos garimpeiros ganhou do
governo federal o direito de retomar a exploração de seu tesouro, os técnicos
do Ministério de Minas e Energia estimaram em 50 toneladas a quantidade de ouro
ainda existente no local. Se o cálculo se confirmar, será mais do que se
conseguiu extrair nos sete anos em que o garimpo funcionou, entre 1980 e 1987
(40 toneladas).
Os velhos métodos, contudo, não servem mais. O ouro
remanescente encontra-se misturado em uma camada de argila, a 200 metros de
profundidade, que se estende a sudoeste da cratera aberta nos anos 80.
Os garimpeiros não sabiam disso e, depois de retirar o ouro
que estava mais próximo à superfície, continuaram cavando na vertical. Em
vão.Eles já não conseguiam encontrar uma quantidade significativa do minério e
acabaram atingindo um lençol freático, que começou a inundar o garimpo. O
governo, então, mandou interromper as atividades no local.
COM MERCÚRIO -- Na década de 80, os garimpeiros usavam metal
tóxico para isolar o ouro das impurezas (Foto: Claudio Laranjeiras)
Para retomar a exploração, a cooperativa teve de criar a
Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral, uma joint venture com a
empresa canadense. Os 38.000 garimpeiros cooperados não precisarão fazer nada
além de dividir entre si 25% dos lucros da operação.
Na Vila de Serra Pelada, situada no município de
Curionópolis, há uma gameleira de 15 metros de altura que serve de ponto de
encontro de homens que há trinta anos sonham com a reabertura do seu Eldorado.
A árvore ganhou o apelido de “Pau da Mentira”, por causa das histórias
improváveis contadas à sua sombra, mas bem que agora poderia ter seu nome
mudado para “Pau da Esperança”.
José Mariano dos Santos, de 58 anos, acredita que a nova
fase de Serra Pelada poderá garantir a ele e seus colegas uma renda mensal de
20.000 reais. No passado, Santos chegou a acumular 411 quilos de ouro, o
equivalente a 47 milhões de reais em valores atuais, o que fez dele o segundo
homem mais rico do garimpo. Esbanjou tudo em festas, em viagens extravagantes e
em investimentos desastrados. Hoje ele sobrevive do salário mínimo que recebe
como aposentadoria.
Os representantes da mineradora se preocupam com as
expectativas dos seus sócios brasileiros. “Não temos dúvida de que esta mina
tem potencial para se tornar uma das mais produtivas do mundo, mas infelizmente
não será capaz de enriquecer esses 38.000 homens”, diz a canadense Ann
Wilkinson, vice-presidente da Colossus.
ALAGADA -- Na gigantesca, impressionante cratera escavada
nos anos 80, os garimpeiros que eram donos de "barrancos" contratavam
outros homens para ajudá-los a retirar a terra com ouro. O lago que se formou
no local tem uma área equivalente à de dois estádios do Maracanã (Foto: Antonio
Milena / Milenar)
Para atender à remuneração sonhada pelos garimpeiros, a
mineradora teria de atingir uma média de extração anual dez vezes a das
principais minas do mundo. Isso é impossível, mesmo com a alta concentração de
ouro que os técnicos estão encontrando em Serra Pelada.
A média confirmada até agora é de 20 gramas de ouro por
tonelada de terra. Em comparação, a média na maior mina em operação no Brasil,
em Paracatu, em Minas Gerais, é de 0,45 grama por tonelada. Durante a fase de
prospecção, os geólogos descobriram que as imagens de enormes pepitas de ouro,
que ajudaram a fomentar a corrida a Serra Pelada nos anos 80, não se repetirão.
Essas pedras já eram raras naquele tempo, e, agora, mais ainda.
Cada terraço retangular é um "barranco", medida de
propriedade dos garimpeiros na década de 80 (Foto: Grislaine Morel / Gamma)
O ouro em pó que sobrou está diluído no solo argiloso. Para
que se chegue aos pontos de maior concentração do metal, foi construído um
túnel de 1 600 metros de extensão e 5 metros de largura. Mesmo que haja alguma
pepita em meio às 150 toneladas de terra que serão recolhidas diariamente por
pequenas escavadeiras, ela acabará triturada no processo mecânico de separação
do metal.
A dificuldade técnica e o alto custo da extração na “nova”
Serra Pelada são compensados de duas formas. Primeiro, o ouro não é o único
tesouro do local. Há quantidades significativas de platina e paládio, metais de
grande valor industrial e para a confecção de joias. “Só são conhecidas outras
duas minas no mundo onde o ouro vem acompanhado desses metais”, diz o
presidente da Colossus, o canadense Claudio Mancuso.
NOVA ILUSÃO -- O garimpeiro José Mariano dos Santos, o
Índio, achou 411 quilos de ouro, tornando-se um dos homens mais ricos de Serra
Pelada (no detalhe, no auge). Perdeu tudo. Ele sonha em receber 20.000 reais
mensais com a parcela que lhe cabe na repartição dos lucros da mineradora com a
cooperativa dos garimpeiros
A segunda compensação é a crescente demanda pelo ouro,
motivada pela desvalorização do dólar e pela instabilidade nas bolsas de
valores. No ano passado, o metal acumulou uma alta de 16%, enquanto o índice
Bovespa caiu na mesma proporção, e os bancos centrais compraram 440 toneladas
de ouro, quase seis vezes mais do que em 2010.
O aumento da procura fez o preço da onça troy (equivalente a
31 gramas) saltar de 300 dólares, em 1998, para 1 710 dólares, na semana
passada (nov/2012). Da preferência dos investidores do século XXI à febre que levou
milhares de brasileiros a abandonar a família para tentar a sorte em Serra Pelada
nos anos 80, o ouro é desejado por uma razão simples. Ele é raro. Todo o ouro
já extraído no planeta, 160.000 toneladas, caberia em apenas duas piscinas
olímpicas.